domingo, 19 de abril de 2015

ENGENHO DE DENTRO, ENCANTADO.









   Tum tum...tum tum...tum tum...

   Era só subir no banquinho e chegar na janela. O som do trem vibrava marcando o compasso arrastado do domingo. Ficava esquecida, contando os vagões. 
   Alguma canção no rádio.
   Manhãzinha e a avó já ia margeando pela calçada da Avenida Amaro Cavalcanti. Beirava a linha do trem do Engenho de Dentro, antigo engenho de açúcar, ou mesmo do bairro do Encantado, de Cruz e Souza e Aracy de Almeida.

-Com sangue Dona Ana?
-Ninguém gosta do molho pardo "seu" Martim.

   Do aviário e da quitanda, voltava apressada para preparar o almoço. 
   Ainda tinha a Missa. 
   Gostava de olhar retratos.
   Também se encantava com os pés de tomate no quintal, aquele regador de lata sempre encostado na mangueira, cheiro de terra molhada. Fresquinho.

- Rápido, pega o véu, o terço e o missal, minha querida. 

   Vó Ana não cansava de repetir, acho que era para que guardasse para sempre na memória todas as vezes que entravam na Igreja da Imaculada Conceição e São José para missa de domingo.

- Você foi batizada com dias, às pressas, sua madrinha de Consagração é a Imaculada Conceição.

   Depois soube que foi sua primeira quase morte.
   O avô, de pijama, em silêncio, cuidava do quintal, dos tomateiros, das ervas, do córrego limpinho que passava ao lado da casa tirando um galho ou outro que caía da mangueira impedindo seu curso perigando transbordar. 
   Preferia ter ficado. Todo um quintal enorme a explorar. 
   Água correndo nas pedras conheceu lá, como todo o resto que não era mar. 
   Vô Benjamim comprava maçãs na Colombo da Rua do Ouvidor. Eram envolvidas uma a uma em papel fino, branco. Ele chegava de terno, chapéu, segurando o embrulho de papel pela alça de barbante. Quando abria o pacote, as maçãs perfumavam toda a sala. Podia até sentir o forte aroma delas neste instante.
   Da canja do almoço, o coração único é claro, era um mimo para neta, com folhinhas de hortelã frescas a perfumar o prato. Quando calhava ter, separavam também a geminha do ovo que vinha dentro da galinha de granja.
   Já se ouvia a narração do futebol da tarde.Isso dava nostalgia, até hoje. Saudades dos avós ou da menina de então, sei lá... o fato é que passou a detestar narração de jogo de futebol pelo rádio. Era o último evento da visita de domingo. 
   Já estava na hora de voltar.
   Da varanda podia vê-lo na cadeira de balanço, a mesma em que cerrou os olhos para sempre, sereno, sorrindo.
   Muitos anos depois de ter dado o último adeus da janela do carro, sabia que era o último, voltou com seu pai, encarregado de vender a casa.
   O quintal era tão pequeno, o banquinho de subir na janela não estava lá, o barulho do trem era ruidoso e havia muito lixo no córrego.
   Da varanda, via a sala vazia.
   Já estava na hora de voltar.











Nenhum comentário: